Artefato
Noites
com nevoeiro são perturbadoras em qualquer lugar. Mas no bairro de Marsilac
elas têm sempre uma pitada a mais de horripilante. O lugarejo fica numa área de
preservação ambiental no extremo sul da capital paulista, já vizinha do
litoral. A mata atlântica permanece intocada. Além de tudo, está localizada
entre duas represas, a Guarapiranga e a Billings, o que contribui para que a
região seja mais nebulosa ainda, devido aos vapores constantes.
Mas
de forma especial, nesse dia em que Alexandre voltava da faculdade, quase não
se conseguia ver um braço a frente dos olhos. O professor tinha segurado a
turma um pouco mais, e sendo a instituição localizada mais ao centro da cidade,
já passava muito da meia-noite quando chegou a Marsilac.
Alexandre
orientava-se apenas pelos postes escassos nas laterais das ruas, e sabia que
faltavam umas quatro quadras para chegar a sua residência porque já havia
passado pelo prédio da escola municipal. Porém avistou uma silhueta estranha
alguns metros à frente. Estacou, temeroso de que se tratasse de algum
assaltante, mas no mesmo instante achou prudente continuar caminhando
normalmente, pois em caso de ser bandido, ficar parado poderia denunciar uma
falsa afronta.
Quanto
mais se aproximava, percebia que não se tratava de um contorno humano. Tinha um
formato ogival, e um aspecto de ser feito de metal. Tratava-se de um artefato
de cor escura, próxima ao chumbo. Alexandre deu de cara com uma escultura
bizarra. Nela havia inscrições muito estranhas, que se assemelhavam a desenhos.
De inicio imaginou se tratar de ideogramas japoneses, mas os caracteres
presentes ali eram mais elaborados, com formas mais triangulares.
O
troço, ao ser tocado, dava a sensação de ter sido esculpido em alguma rocha
desconhecida, porém, a perfeição geométrica da simetria parecia impossível ao
homem. Um calor aconchegante parecia emanar do objeto, e os sentidos de
Alexandre começaram a ficar entorpecidos. Não sabe se foi coisa da sua cabeça,
ou um fato concreto: as inscrições começaram a ficar iluminadas por uma
claridade branca, que foi ficando intensa, intensa...
Apenas
acordava durante poucos segundos. Acho que seria mais correto dizer que
“sonhava” durante poucos segundos. Se bem que os flashs que deslumbrava nesses
pequenos recortes, se encaixavam melhor na categoria dos pesadelos.
Uns
robôs... na verdade coisas que não sabe dizer se seriam metálicas ou compostas
de um exoesqueleto hipersólido! Era para ser um hospital! Aquilo em que estava
deitado era para ser uma maca! Mas era o ar! Ele estava levitando? Não poderia
dizer, por que não formulava pensamentos, não articulava raciocínio. Mas os robôs/seres
com armadura fraqueavam sua maca invisível. Na verdade, sentia que a força que
o mantinha no ar provinha das criaturas. E logo desfalecia novamente.
Paredes
com tubulações gigantescas. Sinais luminosos neon. E ao mesmo tempo estava
dentro de uma estrutura que era muito mais caverna que outra coisa. Parecia que
não possuía mais organismo. Era como se sua consciência flutuasse num ponto
acima do corpo. E o desmaio o abraçava novamente.
Teria
tomado um choque de alta voltagem? Sido eletrocutado em um poste? Alexandre não
sabia dizer. E logo outro lapso no tempo, outro corte na sequencia dos fatos. O
que mais tomava espaço no seu parco quadro de percepções era uma que lhe dizia
que ele estava subindo quilômetros e quilômetros. Subia ao infinito e sentia-se
leve. Por imensidões de camadas atmosféricas, nada havia entre si e o chão.
Mas
o pior foi a cirurgia. Um pesadelo vivido no qual estava sendo operado. Mas nem
isso era certeza, porque a concepção que se tem de uma cirurgia é de que seja
algo no qual coisas são tiradas do corpo. Ele estava recebendo anexos,
complementos. Uma fincada de dor num ponto distante do que deveria ser seu
abdome. Puxa! Por um segundo parecia ter visto sua coluna vertebral banhada em
sangue! Ainda bem que era um sonho... logo iria acordar. Desmaio.
Era
um outro continente. Outro país. Mas não parecia nem um nem outro... um céu
repleto de planetas!!! Não era possível ver planetas a olho nu... e eles
estavam praticamente dentro da atmosfera, vindo, adentrando...visão horrenda!
Pesadelo imenso sem fim! Alexandre queria que o desmaio viesse de novo, ansiava
pela inconsciência, mas estava mais desperto que nunca. Em toda sua existência
não tinha tido um sonho tão nítido assim. O artefato! Tudo isso foi o artefato!
O
pesadelo (?) continuava e ele estava sendo apresentado a uma multidão reunida
de monstros. Criaturas com muitos olhos ou orbes vazias. Tentáculos onde
deveriam existir cabelos e cabeça. E aquilo que se poderia dizer couraça ao
invés de pele, crescia por cima de placas de um metal escuro e opaco,
trespassada por cabos/fios que estavam em uma espécie de curto-circuito
ritmado. Tudo sugeria seres inicialmente biológicos, que foram substituindo as
partes necrosadas de seus organismos por outras artificiais.
A
convenção era uma espécie de ritual macabro high tech. Os seres abriram suas
bocas e feixes de luz subiram ao encontro dos ares, unindo-se acima de suas
cabeças formando uma egrégora energética verde contra um céu rosa. Da egrégora
um feixe desceu sobre sua cabeça. Se bem que de fato não era mais sua cabeça,
seu corpo, seus membros... quando tentou observar seus pés, o que viu, o que
viu... bem, ele só pode dar um grito de desespero, mas no lugar do grito soou
uma sirene vinda de dentro de tubos sintéticos.
A
notícia foi parar na TV. Vários moradores da região de Marsilac alegavam ter
visto. Uma criatura bizarra rondando a região. E parecia mostrar especial
interesse por uma rua em particular. Uma certa casa...
FIM